Agradeço ao Vítor Serrão a referência que me fez no seu recente
"post" relativo aos Painéis.
Contudo, e segundo a nossa opinião, o capítulo mais importante do último livro, Os Painéis fora do Labirinto, é aquele sobre o Documento Pereira Pestana que temos vindo a estudar desde 2014. Esta análise tem acompanhado os sucessivos acrescentos que trouxemos a este testemunho, cuja pequena frase inicial, publicada em 1936 por Motta Alves, cresceu até se constituir em dois períodos interligados entre si.
O relato destas evoluções pode ser consultado no referido capítulo assim como
o estudo minucioso que lhe fizemos.
No essencial Pereira Pestana informa (c. 1532) D. João III que na
capela-mor da Sé de Lisboa surgiram uma imagens que foram colocadas junto aos
túmulos régios ali existentes (D. Afonso IV e mulher). O autor sublinha
precisamente esta zona, colocada à esquerda da capela-mor e não o lado direito
onde se encontrava há muito (1462) o Retábulo de S. Vicente constituído pelos
painéis com cenas da vida, martírios e milagres deste santo, o que indicia uma
novidade que o rei desconhecia.
As descrições sintéticas que Pereira Pestana fez dessas imagens permite identificar
os Painéis do Infante e do Arcebispo (gentis homens), dos Cavaleiros (
cavaleiros) e dos Frades (de arminhos). Este descritivo já era aceite pela tese
vicentina (salvo o dos Frades). No entanto esta tese ainda desconhecia o texto que
iria revelar onde esses Painéis tinham sido colocados na capela-mor.
É assim clara a separação física que se registava, em c.1532, entre os
Painéis e o Retábulo pelo que se concluiu que aqueles nunca fizeram parte deste
conjunto retabular.
Contudo, o Documento do Rio informa que, por volta de 1570, os
Painéis do Infante e do Arcebispo estavam em baixo junto ao Retábulo de S.
Vicente...,mas, também diz, num outro item, que do lado esquerdo da capela-mor,
junto aos tais túmulos régios, existia um retábulo.
Assim, só se pode concluir que no intervalo de tempo compreendido entre
c.1532 e c.1570, houve um deslocamento dos Painéis de maior dimensão para junto
do Retábulo, tendo os outros quatro ficado no local onde foram colocados.
Que outra leitura e interpretação é que se pode dar ao Documento de
Pereira Pestana lido na sua totalidade?
Reconhecemos que se trata de uma conclusão muito polémica, dado por em
causa a tese oficiosa sobre os Painéis segundo a qual estes integraram desde
sempre o Retábulo de S. Vicente.
Recomendamos por isso uma leitura muito serena e isenta de ideias
pré-concebidas.
A conclusão que fizemos a este Documento está assim alinhada com o Estudo
Laboratorial de 2013 realizado ao conjunto de pinturas atribuídas a Nuno
Gonçalves (Painéis, Martírios e Santos) que refere em síntese:
"Verificou-se que existem diferenças na camada preparatória entre o
Políptico de S. Vicente [os Painéis] e a pintura dos dois outros grupos que
sugerem que no primeiro terá sido isado um lote de "gesso"
diferente".
De referir que este estudo foi dirigido por José Mendes que integra a
actual equipa que está a efectuar o Estudo, Conservação e Restauro dos Painéis.
Se Motta Alves tivesse tido, em 1936, a possibilidade de recolher a
informação e publicá-la, de acordo com o actual texto do Documento de
Pereira Pestana, o que é que teria acontecido à "Questão dos
Painéis"...?
N.B. Este texto foi publicado inicialmente no grupo "Micro-História da Arte" do Facebook (26/09/2023) como "resposta" ao destaque que o Prof. Vítor Serrão deu ao subcapítulo "Uma carta de condolências" do nosso estudo "Os Painéis fora do Labirinto".
Publicamos noutra entrada o referido destaque dado pelo citado professor de história de arte.