MEIAPAROS = D. Isabel de Portugal


Retrato da duquesa D. Isabel no retábulo da Adoração do Cordeiro Místico
 
Introduzimos este anexo um pouco à margem dos trabalhos que apresentamos sobre os Painéis. Foi, no entanto, o primeiro texto de investigação que escrevemos e que nos permitiu vencer a inércia e nos dar o alento necessário para nos aventurar na pesquisa, investigação e na elaboração dos diversos estudos que dedicámos ao Políptico.
 
Esta análise incide sobre um dos painéis do célebre retábulo da Adoração do Cordeiro Místico[1], concluído em 1432, da autoria dos irmãos Hubert e Jan van Eyck. Trata-se daquele que representa a Sibila de Cumas [2] situado no nicho superior centro-direita do conjunto quando se encontra na sua posição de fechado.


 




A figura está ajoelhada e tudo indica que está grávida pela colocação da sua mão direita sobre o ventre. A leitura da faixa que está à sua volta confirma esse estado ao anunciar o nascimento de uma criança: “REX A(LTISSIMUS) ADVE(N)IET P(ER) SEC(U)LA FUTUR(US) SCI(LICET) I(N) CARN(E)”, isto é, em português corrente “o rei supremo assumirá a forma humana para governar pelos séculos fora”.


Esta personagem representa segundo alguns autores D. Isabel de Portugal, duquesa da Borgonha. Esta, que estava de facto grávida no ano em que o retábulo foi concluído, anuncia, sob a imagem de uma sibila, o nascimento do filho cuja gestação tinha decorrido entre Julho de 1431 e Abril de 1432. Contudo esta criança, Josse, faleceria com 4 meses (em Agosto). Já em Fevereiro os Duques da Borgonha tinham perdido outro filho, António, com 13 meses de idade.
 
Existe uma cópia de um retrato[3], também da autoria de Jan van Eyck, que ajuda a confirmar esta identificação e que foi realizado para Filipe o Bom quando o pintor esteve em Portugal (1428-1429) integrado na embaixada que negociou o casamento da infanta portuguesa com o duque da Borgonha. Comparando as duas imagens salta à vista a grande semelhança existente entre as toucas, golas e cintos.


Há ainda mais um pormenor naquele painel que nos permite afirmar que a imagem[4] retrata efectivamente a duquesa da Borgonha.


 



No vestido da senhora é legível a palavra MEIAPAROS, de significado desconhecido, mas para a qual propomos aqui uma interpretação. Repare-se que o P da palavra se confunde com um D, pelo que podemos ajustá-la para MEIAP(D)AROS. Admitindo que se trata de um anagrama, facilmente se chega a uma solução que nos permite identificar a senhora como “DAME ISA POR”, isto é, Dama Isabel de Portugal. Esta leitura remete-nos imediatamente para a inscrição “L’INFANTE DAME ISABIEL” colocada precisamente por cima no retrato referido atrás.


As pinturas de Jan van Eyck incluem muitos destes jogos de palavras (rebos, anagramas), letras invertidas e mensagens escritas.
 

A figura retratada de D. Isabel aparece neste retábulo também associada a uma sibila. Já no quadro atribuído ao mestre flamengo Roger van der Weyden[5],  existe, no canto superior esquerdo, a inscrição PERSICA SIBYLLA Iª. Pensamos que em ambos os casos se trata também da utilização intencionada de um anagrama cuja solução é Isabel:
 
SIBYLLA = YSABILL






[1] Catedral Saint-Bavon, Gand, Bélgica
[2] Cortesia Closer to Van Eyck: Rediscovering the Ghent Altarpiece, http://closertovaneyck.kikirpa.be/

[3]Torre do Tombo, Lisboa, Cópia a tinta-da-china (séc. XVII) do retrato da infanta D. Isabel pintado por Jan van Eyck em 1429. À roda do quadro lê-se a seguinte inscrição “Cest la pourtraiture qui fu envoiié a phe duc de bourgoingne & de brabant de dame ysabel fille de roy Jehan de portugal & dalgarbe seigneur de septe par luy conquise qui fu depuis feme & espeuse du desus dit duc phe”              


[4] Cortesia Closer to Van Eyck: Rediscovering the Ghent Altarpiece, http://closertovaneyck.kikirpa.be/
[5] J. Paul Getty Museum, Malibu, Califórnia, E.U.A.


Página adaptada do "Apêndice" do livro "Os Painéis em Memória do Infante D. Pedro", 2012