A TESE VICENTINA POSTA EM CAUSA!
Uma abordagem inovadora aos enigmas, mistérios e segredos dos Painéis de onde se extraíram novas pistas e dados que irão contribuir para uma maior clarificação sobre o significado e razão de existência desta obra-prima.
14 de dezembro de 2023
A TESE VICENTINA POSTA EM CAUSA !
5 de outubro de 2023
APRECIAÇÃO CRITICA DO PROF. VÍTOR SERRÃO
SOBRE OS PAINÉIS: A SURPRESA QUE NOS TRAZ UM NOVO DOCUMENTO.
A História
da Arte constrói-se a partir de minúsculos interstícios: fragmentos, esboços,
entrelinhas de documentos, testemunhos de arquivo. Nasce da nossa capacidade de
exercitar as microscopias e enfrentar as desmemórias. No caso da secular
Querela dos Painéis de São Vicente, mais que o sensacionalismo das
grandes teses, tem sido o saber nascido da pesquisa séria que vai
lavrando pistas e sedimentando os saberes.
Desde a ´revisão de um processo
arquivado’ feita por Dagoberto Markl (1988) ao chamado Documento
do Rio de Janeiro (o qual descreve, no tempo de D. Sebastião, os Painéis
de São Vicente como existentes na Sé) que não surgia um documento tão
importante para a magna Questão Nuno Gonçalves ! Coube agora a
Clemente Baeta, no recente livro Os Painéis fora do Labirinto (2023),
o mérito deste achado.
É uma preciosidade: trata-se de uma
carta de 3 de Setembro de 1491 escrita a D. João II pelo célebre Cardeal
Alpedrinha, D. Jorge da Costa, arcebispo de Lisboa, e cujo teor só se percebe à
luz do que nos diz o Doc. do Rio de Janeiro sobre o facto de o rei ter mandado
pintar o rosto de seu filho sobre o de São Vicente nas duas tábuas maiores
existentes no altar vicentino da Sé.
Escrita a seguir à trágica morte do
Infante D. Afonso (1475-1491), filho único de D. João II (e herdeiro do tão
desejado trono ibérico), na queda do cavalo a 13 de Julho na Ribeira de
Santarém, é uma missiva de condolências da parte de quem, tendo sido exilado em
Roma por ordem régia, não nutria especial amizade pelo monarca … E tal
antipatia não é ocultada pelo tom dessa carta escrita em Roma em que, a dado
momento, o Cardeal-Arcebispo critica o rei por não lhe ter dado ouvidos:
«… que não adorásseis vosso filho, que não era oficio de Rei Cristão
adorar a outrem senão a Deus…», já que «o pecado da Idolatria nunca o
quis dissimular sem alguma espécie de castigo e pena». A seguir, vitupera o
monarca enlutado por não ter seguido o seu avisado «conselho» (sic): «…V.A.
não amava o seu filho, mas adorava-o, e quanto é ao que fora padecia do amor de
Deus, e das cousas Dele parecíeis esquecido… porque parecíeis imitar os Antigos
que mandavam fazer imagens de seus filhos, e as mandavam adorar, o que não
devia fazer Principe Cristão que amar a Deus mais que os filhos» (BNP,
Reservados, Cód. 3776, fls. 17 a 20).
Este contributo de Clemente Baeta
(autor que não sigo, porém, na extensão das suas teses) é deveras relevante
para a questão dos Painéis, pois coloca mais uma vez na Sé os
Painéis de S. Vicente e reforça o que diz o anónimo relator do Doc. do Rio de
Janeiro (c. 1570-80) a respeito do repinte ideológico (chamemos-lhe
assim) mandado fazer por D. João II nos rostos centrais de S. Vicente (nos
painéis ditos do Infante e do Arcebispo) com a efígie do seu filho, e que os
exames laboratoriais de 1994 confirmaram sem reservas. Assim, o Príncipe D. Afonso,
que pelo casamento com a filha dos Reis Católicos estava fadado para governar o
maior império cristão universal, merecia ser adorado na sua dupla dimensão
humana e ‘quase divina’ pelos augúrios da Política – um projecto
que a tragédia de Santarém veio brutalmente anular, o que, com tanta crueza de
palavras, D. Jorge da Costa destaca na sua carta atribuindo-lhe… castigo
divino.
Ou seja:
1. em 1491 os Painéis estavam na
Sé;
2. o retrato do malogrado príncipe
cobria o de S. Vicente nas tábuas ditas do Infante e do Arcebispo;
3. o ‘repinte ideológico’ fora
feito antes do casamento de D. Afonso com a princesa D. Isabel de Castela em
Estremoz (3 de Novembro de 1490).
4. tal apropriação
iconográfico-identitária provocava críticas nos círculos de detractores do rei.
5. os exames laboratoriais dos
Painéis confirmaram tal refazimento das duas faces do Santo, dando crédito às
fontes documentais.
Assim, a carta de D. Jorge da Costa
a D. João II de 1491, sem explicitamente se referir às pinturas de Nuno
Gonçalves, torna-se um valiosíssimo documento (mais um !) para reforçar as
valências do testemunho do chamado Doc. do Rio de Janeiro.
No momento em que as tábuas quatrocentistas estão a ser alvo de um exame laboratorial no M.N.A.A., é altura própria para se apurar o assunto do repinte dos rostos do Santo. E termino estas notas de leitura do último livro de Clemente Baeta, autor que nos traz (não sendo ele «vicentista») um valioso contributo documental para a questão ! O que não teria Dagoberto Markl (1939-2010) avançado e escrito nesta eterna discussão painelística se tivesse tido conhecimento desta carta !
Comentário adicional
O livro de Clemente Baeta (o nono sobre os Painéis !) é interessante, como os anteriores, e traz sempre releituras de fontes conhecidas e/ou novidades (como é o caso) sobre o magno problema da H. Arte portuguesa. Não estou de acordo com a sua tese fundamental (nesta matéria, sou vicentista, gonçalvista e... dagobertista, e ele é só... gonçalvista) mas como sempre tenho dito, mesmo nas teses mais infundadas sobre os Painéis se descobrem luzes. Mesmo Henrique Loureiro escreveu, numa tese erradíssima, pp. admiráveis sobre o Arcebispo dos Painéis. E Teresa Schedel sobre o Vereador. E Bélard sobre inúmeros detalhes. etc. etc. O tema PAINÉIS DE S. VICENTE precisa cada vez menos de sectarismo e mais de lucidez. Salvo o pintor, salvo a cronologia (e, diria, sobre o Santo, S. Vicente), sabemos tão pouco ainda ! Para já nem falar da identidade das maioria das maioria das 60 personagens...
N.B. Estes textos foram publicados no grupo "Micro-História da Arte" do Facebook (25/09/2023) pelo o Prof. Vítor Serrão dando destaque ao subcapítulo "Uma carta de condolências" do nosso estudo "Os Painéis fora do Labirinto".
4 de outubro de 2023
UM DOCUMENTO FUNDAMENTAL E DECISIVO
Agradeço ao Vítor Serrão a referência que me fez no seu recente
"post" relativo aos Painéis.
Contudo, e segundo a nossa opinião, o capítulo mais importante do último livro, Os Painéis fora do Labirinto, é aquele sobre o Documento Pereira Pestana que temos vindo a estudar desde 2014. Esta análise tem acompanhado os sucessivos acrescentos que trouxemos a este testemunho, cuja pequena frase inicial, publicada em 1936 por Motta Alves, cresceu até se constituir em dois períodos interligados entre si.
O relato destas evoluções pode ser consultado no referido capítulo assim como
o estudo minucioso que lhe fizemos.
No essencial Pereira Pestana informa (c. 1532) D. João III que na
capela-mor da Sé de Lisboa surgiram uma imagens que foram colocadas junto aos
túmulos régios ali existentes (D. Afonso IV e mulher). O autor sublinha
precisamente esta zona, colocada à esquerda da capela-mor e não o lado direito
onde se encontrava há muito (1462) o Retábulo de S. Vicente constituído pelos
painéis com cenas da vida, martírios e milagres deste santo, o que indicia uma
novidade que o rei desconhecia.
As descrições sintéticas que Pereira Pestana fez dessas imagens permite identificar
os Painéis do Infante e do Arcebispo (gentis homens), dos Cavaleiros (
cavaleiros) e dos Frades (de arminhos). Este descritivo já era aceite pela tese
vicentina (salvo o dos Frades). No entanto esta tese ainda desconhecia o texto que
iria revelar onde esses Painéis tinham sido colocados na capela-mor.
É assim clara a separação física que se registava, em c.1532, entre os
Painéis e o Retábulo pelo que se concluiu que aqueles nunca fizeram parte deste
conjunto retabular.
Contudo, o Documento do Rio informa que, por volta de 1570, os
Painéis do Infante e do Arcebispo estavam em baixo junto ao Retábulo de S.
Vicente...,mas, também diz, num outro item, que do lado esquerdo da capela-mor,
junto aos tais túmulos régios, existia um retábulo.
Assim, só se pode concluir que no intervalo de tempo compreendido entre
c.1532 e c.1570, houve um deslocamento dos Painéis de maior dimensão para junto
do Retábulo, tendo os outros quatro ficado no local onde foram colocados.
Que outra leitura e interpretação é que se pode dar ao Documento de
Pereira Pestana lido na sua totalidade?
Reconhecemos que se trata de uma conclusão muito polémica, dado por em
causa a tese oficiosa sobre os Painéis segundo a qual estes integraram desde
sempre o Retábulo de S. Vicente.
Recomendamos por isso uma leitura muito serena e isenta de ideias
pré-concebidas.
A conclusão que fizemos a este Documento está assim alinhada com o Estudo
Laboratorial de 2013 realizado ao conjunto de pinturas atribuídas a Nuno
Gonçalves (Painéis, Martírios e Santos) que refere em síntese:
"Verificou-se que existem diferenças na camada preparatória entre o
Políptico de S. Vicente [os Painéis] e a pintura dos dois outros grupos que
sugerem que no primeiro terá sido isado um lote de "gesso"
diferente".
De referir que este estudo foi dirigido por José Mendes que integra a
actual equipa que está a efectuar o Estudo, Conservação e Restauro dos Painéis.
Se Motta Alves tivesse tido, em 1936, a possibilidade de recolher a
informação e publicá-la, de acordo com o actual texto do Documento de
Pereira Pestana, o que é que teria acontecido à "Questão dos
Painéis"...?
N.B. Este texto foi publicado inicialmente no grupo "Micro-História da Arte" do Facebook (26/09/2023) como "resposta" ao destaque que o Prof. Vítor Serrão deu ao subcapítulo "Uma carta de condolências" do nosso estudo "Os Painéis fora do Labirinto".
Publicamos noutra entrada o referido destaque dado pelo citado professor de história de arte.
1 de fevereiro de 2023
UM IMPORTANTÍSSIMO MANUSCRITO PARA OS PAINÉIS
UM IMPORTANTÍSSIMO MANUSCRITO PARA OS PAINÉIS
Um pequeno excerto incluído no extenso manuscrito do Parecer de
Francisco Pereira Pestana, prova que os Painéis entraram na capela-mor da Sé de
Lisboa por volta de 1532 e que aí foram colocados, juntos aos túmulos régios
(D. Afonso IV e D. Brites), situados no lado do Evangelho (à esquerda da
capela-mor):
“E porem senhor, entrando na capela-mor da Sé de Lisboa, olhe vossa
alteza aquelas sepulturas dos Reis vossos Avós e nelas verá quanto melhor
parecem os que não estão vestidos de arminhos, pois todos e tudo ali vai parar,
não toco a redenção dos cativos assim de Portugal como de Castela a que muito
se deve olhar…”
O relator, Pereira Pestana, está a convidar o rei D. João III para ir
admirar as imagens que surgiram na Sé de Lisboa, destacando e enaltecendo as
dos Cavaleiros, isto é, os que não estavam de arminhos. Por outro lado, estes
últimos, de branco, eram os Frades que, no entanto, também deviam ser elogiados
pelas suas acções na redenção dos cativos.
A identificação destes dois painéis permite confirmar que o teor do
outro trecho mais conhecido deste autor, “…aqueles famosos reis armados, tão
fermosos, e gentis homens…” onde se tinha sido deduzida a presença dos
painéis do Infante e do Arcebispo, também dizia respeito aos
Painéis e que todos estavam colocados (c.1532) do lado do Evangelho da
capela-mor da Sé.
Na banda oposta, isto é, à mão direita da capela-mor ou da Epístola,
situavam-se o altar e o Retábulo de S. Vicente erguido e alvo de grandes obras
no período 1462-1473…
Conclusão: os Painéis só surgiram na Sé, meio século após a conclusão do
Retábulo de S. Vicente, pelo que podemos afirmar que estas duas pinturas sempre
foram independentes e que tiveram origens diferentes.
in Os Painéis: Prova Final (2022)
6 de janeiro de 2023
Os Painéis: Onde...? Como...?
OS PAINÉIS: ONDE…? COMO…?
É nossa convicção de que os Painéis foram,
desde sempre, uma obra autónoma não devendo, por isso, serem confundidos com o
Retábulo de S. Vicente. A circunstância de estas obras terem partilhado o mesmo
espaço durante cerca de 40 anos (c. 1532-c.1570) na capela-mor da Sé de Lisboa,
levou a que ambas se confundissem entre si. No entanto, a documentação inédita
que inserimos, na última década, nesta “questão dos Painéis”, associada a uma
reinterpretação daquela que anteriormente existia, permite-nos pôr em causa a
chamada “tese oficial”.
Deste modo, colocam-se as questões sobre o
local para onde foram elaborados e o modo como ficaram expostos?
Defendemos que a capela real de S. Miguel,
situada junto ao Paço da Alcáçova (Lisboa) onde então residiam os reis
portugueses, reunia um conjunto de atributos adequados para a
colocação/exposição dos Painéis:
- Estava equiparada a uma igreja catedral com
o privilégio, atribuído pelo Papa, para poder rezar as Horas Canónicas e
celebrar solenemente os Ofícios Divinos.
- Tinha os meios necessários para uma boa
execução da música que acompanhava estas cerimónias (músicos, menestréis, coro
de jovens…).
- Foi o local escolhido por D. Afonso V para
a recepção aos embaixadores e príncipes estrangeiros.
- Tinha as dimensões e as proporções adequadas
para a colocação dos Painéis.
- Dispunha de uma janela e de uma
orientação solar, que permitem justificar a aparente “incorreção” da iluminação
do painel dos Pescadores.
Para além destes itens e de acordo com nossa
tese, de que os Painéis foram executados em memória do infante D. Pedro,
podemos ainda acrescentar que:
- O orago da capela era o arcanjo S. Miguel,
santo da devoção deste Regente.
- Foi nesta capela que este Infante, ainda
jovem, foi milagrosamente curado de uma grave enfermidade que o afligia.
Existe um desenho do tempo de D. Afonso V,
que ilustra esquematicamente o interior desta capela, onde se vê a distribuição
espacial das diversas entidades que estavam presentes nas ocasiões em que o rei
recebia as embaixadas estrangeiras.
Sobre este desenho colocámos os seis
Painéis em três paredes, de modo a garantir, simultaneamente, a perspectiva convergente
dos ladrilhos existentes em cada painel e, também, e de modo a justificar a
iluminação contrária existente em dois painéis colocados lado a lado (Pescadores
vs. Frades).
(in “Os Painéis: Prova Final”
cap. 3 e 4)