Uma paixão
A
nossa paixão por esta pintura nasceu há meio século, éramos ainda um jovem
estudante liceal, ao acompanharmos uma pequena série televisiva na qual o
investigador Bélard da Fonseca expunha a sua teoria sobre os enigmas do Políptico, publicada nos cinco volumes
de Os Mistérios dos Painéis e ao
longo de uma dezena de anos (1957-1967).
Desde
então o nosso interesse no tema ficou em estado latente até que voltou a
acordar quando surgiram os debates públicos na sequência dos trabalhos de
Theresa Schedel de Castello Branco Os
Painéis de S. Vicente de Fora - As Chaves do Mistério (1994) e mais tarde
de Jorge Filipe de Almeida Os Painéis de
Nuno Gonçalves (2000).
A
partir daqui começámos a questionar e até a pôr em causa os pressupostos das
teorias mais difundidas e a reler os documentos em que se baseavam, de onde
nasceu a nossa leitura e interpretação sobre o significado e razão da
existência dos Painéis. Nesta investigação
acabámos por introduzir um conjunto de novas abordagens e de novos documentos,
inéditos nesta problemática.
Assim,
as nossas conclusões, que já foram editadas em três trabalhos na modalidade POD (Print On Demand), estão agora aqui
disponíveis e acessíveis, no formato pdf, a qualquer investigador, estudioso ou
curioso que se interessa por esta temática:
Os Painéis em Memória do
Infante D. Pedro (2012)
Os Painéis de S. Vicente
de Fora – Novos Documentos, Novas Revelações (2014)
As Envolvências dos
Painéis (2016)
Estes
estudos, que podem continuar a ser adquiridos junto da editora, encontram-se depositados
na Biblioteca Nacional, apesar desta modalidade de edição o dispensar.
De
entre o grupo significativo de inovações, que os nossos estudos introduziram,
queremos salientar os seguintes:
1.Novos documentos
Inserimos
na “Questão dos Painéis” um conjunto
de documentos inéditos que permitem aprofundar e clarificar testemunhos que já
tinham sido publicados por outros investigadores.
Estão
neste caso sete Visitações que foram
adicionadas às duas divulgadas anteriormente: uma em 1960 por Jaime Cortesão e
a outra em 1988 por Dagoberto Markl. Aqueles documentos foram recolhidos nos
trabalhos publicados por Isaías da Rosa Pereira nos anos de 1970, 1978 e 1995,
mas que estranhamente ainda não tinham sido integrados na temática dos Painéis. Neles se relatam o estado
degradante do local onde se encontravam as relíquias de S. Vicente e a
necessidade de se executarem obras de melhoramento, recorrendo para o efeito à
recolha de fundos junto dos fiéis. Podemos assim acompanhar a realização dos
trabalhos no altar de S. Vicente da capela-mor da Sé de Lisboa, principalmente
no período compreendido entre 1462 e 1473 e concluir que a vida e martírios
deste santo estariam bem explícitos no retábulo então em execução.
Um
outro testemunho inédito que acrescentámos, prendeu-se com um trecho de um
parecer dirigido a D. João III, elaborado por Francisco Pereira Pestana, que
está em linha com um outro, do mesmo autor, divulgado inicialmente por Arthur
da Motta Alves, em 1936, e posteriormente recuperado por Dagoberto Markl em
1988. De acordo com a leitura efectuada por este investigador, os Painéis (em especial os de maior
dimensão) estiveram presentes no altar de S. Vicente na capela-mor da Sé de
Lisboa. Concretamente, o novo documento, inserido num ensaio de Maria Leonor
Garcia da Cruz de 1997, permite concluir que tanto o painel dos Cavaleiros,
como o dos Frades também marcaram a sua presença naquele local da Sé. Mais
recentemente encontrámos este mesmo texto, com ligeiras diferenças na grafia,
numa publicação de 1984.
Dada
a pouca divulgação atingida pelos os nossos trabalhos desenvolvemos esforços,
junto de diversas entidades para que, pelo menos estes documentos, tivessem uma
maior difusão. Infelizmente estas diligências não obtiveram qualquer resultado
prático…
Para
além dos testemunhos acima referidos adicionámos outros inéditos, que louvam a
qualidade da pintura e que permitem confirmar os documentos anteriormente
divulgados, relativos ao retábulo do altar de S. Vicente que existiu na
capela-mor da Sé de Lisboa.
2.Novas leituras sobre documentos
já divulgados.
Existe
um conjunto de documentos cujas leituras e interpretações têm-se mantido
constantes ao longo do tempo.
Por
exemplo, a descrição que o arcebispo D. Rodrigo da Cunha faz do retábulo de S.
Vicente então existente (1642) na capela-mor da Sé de Lisboa, tem levado alguns
investigadores, apesar do relato que refere a presença de painéis com cenas da
vida e milagres do santo, a defenderem que se tratam dos Painéis do MNAA. No entanto, e logo de seguida àquele descritivo, o
prelado oferece-nos uma breve síntese biográfica de S. Vicente onde descreve as
principais cenas da vida, martírios e milagres do santo que, concluimos nós,
estariam pintadas no retábulo. Este trecho deveria ser, por isso, tomado em
consideração como um auxiliar precioso àquele texto…
Uma
outra citação recorrente, presente nos trabalhos sobre os Painéis, diz respeito aos elogios que Francisco de Holanda teceu
(1548) ao o pintor Nuno Gonçalves “que
pintou na Sé de Lisboa o altar de S. Vicente” e que “quis imitar nalguma maneira o cuidado e a discrição dos antigos e
italianos pintores”. Também aqui os investigadores se repetem concluindo,
pela alta qualidade pictórica do Políptico,
que seria esta a pintura que tinha sido louvada. Todavia, se lermos o ideal de
pintura defendido por aquele humanista, “movimentos,
nas mãos e nos pés, e nos corpos” e que estes “não ocupassem
confusamente toda a tábua ou lugar onde se põem, mas que deixem alguns espaços
vazios e dilatados para darem despejo e clareza à sua obra”, verificamos que estes princípios nunca são
citados por aqueles estudiosos, precisamente porque não estão presentes nos Painéis…
As Tapeçarias de Pastrana têm entrado
pontualmente neste debate, pelas comparações feitas entre as armas, cotas de
malha, capacetes e até aos rostos patentes nestas duas obras de arte, como
forma de se poder balizar uma data de execução da pintura. Curiosamente o
capacete do “cavaleiro mouro” do Políptico, a que os diversos estudiosos
atribuem várias origens ou então a não existência de outro igual, encontra
réplicas numa daquelas tapeçarias…
3.As inscrições visíveis
nos Painéis
Os
textos, inscrições ou letras que se encontram visíveis na pintura têm sido alvo
de diversas interpretações ou simplesmente ignorados por quem tem estudado os Painéis. Limitamos, aqui, a tecer
algumas observações a três destes registos.
No
colar do cavaleiro de verde existem duas letras, salientadas pela primeira vez
por Belard da Fonseca em 1959, mas que não mereceram grande atenção por parte
dos investigadores e que, na nossa óptica, poderão corresponder às iniciais do
pintor…
No
“livro ilegível” do chamado “judeu” encontra-se uma inscrição, perfeitamente
legível, que está a ser assinalada pelo indicador da mão direita da personagem
que segura esse livro. Foi descoberta por Belard da Fonseca em 1963, embora não
lhe tenha dado qualquer relevo, e corresponde ao nome de uma figura estrangeira
que esteve em Portugal em meados do século XV Todavia, os diversos autores não
aceitam essa leitura porque, caso contrário, isso iria pôr em causa as suas
teses/teorias, sejam elas a “vicentina”, a “fernandina”, a “mista”, que combina
as duas anteriores, ou ainda outras menos divulgadas…
Os
textos legíveis nas páginas do livro aberto que o santo segura têm dado origem
a muitas conclusões, em especial o da primeira que, na nossa óptica, deve ser
interpretado à luz dos acontecimentos que vieram a culminar na batalha de
Alfarrobeira. Igualmente podemos concluir que existe uma inter-ligação entre as
duas páginas (a palavra “pai” encontra-se tapada na 1ª mas é legível na 2ª) que
nos aponta para a cena representada no painel do Arcebispo, dado que a frase
inicial da 2ª página nos diz que o “pai” se encontra à direita…
4.Um Santo, duas cenas
Não
se vislumbra qualquer acto de veneração em direcção ao santo, mas sim duas
cenas que justificam a sua presença: a devoção da jovem no painel do Infante e
uma tomada de posse na outra tábua, que se deu no dia em que a Igreja comemora
esse mesmo santo…
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Estaremos
sempre disponíveis, no nosso email clementebaeta@gmail.com, para o esclarecimento de qualquer dúvida ou para uma salutar troca de
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Clemente
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Clemente Baeta 2012-2020