PROVA FINAL
(in Os Painéis: Prova Final)
Será que podemos entrelaçar e consolidar os dois trechos de Francisco
Pereira Pestana com o do “Documento do Rio” de modo a extrair mais uma ilação
que demonstre a falência dos argumentos da “tese oficiosa” segundo a qual os Painéis integraram desde o início o
Retábulo de S. Vicente?
Os primeiros dois textos afirmam,
mais de meio século depois da conclusão do Retábulo (1473), que na Sé apareceram
umas imagens que mereciam ser admiradas (c. 1532) e o outro vem confirmar esta
presença e, simultaneamente, a sua retirada do local (c. 1570).
Não há dúvida de que estes documentos são bastante
claros e facilmente podemos deduzir que dizem respeito aos Painéis. Para além de ambos se
validarem mutuamente, pelas referências que fazem às tábuas do Infante, do Arcebispo,
dos Cavaleiros e dos Frades, estes testemunhos são, na nossa óptica, uma prova muito
forte que permitem, “per se”, abanar a “tese oficial”.
Vejamos como podemos encontrar nos
dois extractos do “Parecer” de Pereira Pestana indicações muito claras
sobre o local onde estes quatro painéis estavam colocados na capela-mor da Sé de Lisboa.
No primeiro trecho, Pereira Pestana encaminha o rei para junto dos túmulos
de D. Afonso IV e de D. Brites, onde poderia admirar os painéis dos Cavaleiros (os
que não estão de arminhos) e dos Frades (os que estão de arminhos e que executavam
acções de redenção dos cativos). Percebe-se por esta indicação que estes
painéis estavam colocados ao nível dos túmulos do lado do Evangelho, logo,
afastados do altar/retábulo de S. Vicente situado do lado da Epístola:
“E porém, senhor, entrando
na capela-mor da Sé de Lisboa, olhe vossa alteza aquelas sepulturas dos Réis
vossos Avós e nelas verá quanto melhor parecem os que não estão de arminhos,
pois todos e tudo ali vai parar, não toco a redenção dos cativos, assim de
Portugal como de Castela, a que muito se deve olhar.”
No segundo texto, o autor depois de pedir desculpa por estar a insistir no
assunto, recomenda que D. João III fosse ouvir missa à Sé (na capela-mor) de
modo a poder contemplar aquelas imagens. Estas seriam agora os painéis do
Arcebispo e dos Cavaleiros (reis armados e gentis homens), do Infante (gentis
homens) e ainda dos Frades (tanto desairosos e descontentes estão os de
arminhos). Esta insistência também não faria sentido se aquelas imagens não
fossem uma novidade naquele local:
“E porque vossa alteza mais
me não culpe, lhe torno a lembrar e pedir, por mercê, que este dia de São
Vicente, que ora vem, vá ouvir missa à Sé, para ver aqueles famosos reis
armados, tão fermosos, e gentis homens, os quais todos estão no paraíso, e
tanto desairosos e descontentes estão os de arminhos que de ali parecerem mal…”
Como no primeiro extracto se deduziu que os painéis dos Cavaleiros e dos
Frades estavam situados na banda do Evangelho, pode-se inferir que os outros
dois se localizavam no lado da Epístola, junto ao altar de S. Vicente. O rei, no
acto de assistir à missa e posicionado ao centro da capela-mor da Sé, poderia então
apreciar as imagens que lhe tinham sido aconselhadas por Pereira Pestana.
A conjugação destas deduções permite
inferir que os Painéis não estariam integrados no Retábulo de S. Vicente, e
isso é bem claro no primeiro texto quando situa dois painéis junto dos citados túmulos,
enquanto a insistência, patente na segunda citação, permite deduzir que todos
os painéis, apercebidos, se encontravam em idêntica situação.
Esta conclusão está assim alinhada com o texto do conhecido Documento do
Rio, em especial quando situa os Painéis de maior dimensão no contexto do
Retábulo de S. Vicente:
“…e em baixo ao
pé dela [da sepultura] estavam dois painéis em que estava pintado S. Vicente
em figura de moço de 17 anos em cada retábulo e painel, que estavam juntos um
do outro, e a figura de S. Vicente estava virada uma para a outra de maneira
que mostrava a si cada parte do rosto…”
Repare-se na diferença de interpretação que existe
entre o que o memorialista escreveu “em baixo ao pé dela estavam dois
painéis em que estava pintado S. Vicente” - o que pressupõe uma separação -
e o que poderia ter escrito caso os Painéis estivessem integrados no conjunto
retabular “em baixo estavam dois painéis em que estava pintado S. Vicente” -
cuja leitura não nos levaria a deduzir qualquer afastamento.
Isto é, em baixo ao pé da sepultura (de S. Vicente),
estavam colocados, segundo o anónimo relator, os painéis do Infante e do
Arcebispo, o que está em consonância com os teores conjugados dos dois extractos
de Pereira Pestana, que analisámos atrás.
Temos assim duas fontes diferentes que confirmam a
presença dos Painéis na parte inferior do Retábulo de S. Vicente, mas sem se integrarem
no mesmo, o que contraria, neste aspecto, a “linha oficial”.
Curiosamente, estes dois documentos são os únicos que
fazem referências explícitas aos Painéis e que indiciam que:
§ Não foram executados conjuntamente com o Retábulo de
S. Vicente
§ Apareceram em baixo, junto ao Retábulo, vindos de
parte incerta (c.1532)
§ Permaneceram ao pé do Retábulo durante cerca de
quarenta anos (c.1532-c.1570)
§ Depois, foram retirados para um local desconhecido
(c.1570)