2 de março de 2024

OS FAMILIARES DO PRÍNCIPE D. AFONSO

 Os familiares do Príncipe D. Afonso presentes nos Painéis

A recente divulgação de um extracto da carta de condolências, que o arcebispo de Lisboa D. Jorge da Costa enviou a D. João II por ocasião da morte do filho (1491), onde é afirmado que o rei “parecia imitar os antigos que mandavam fazer imagens de seus filhos, e os mandavam adorar” veio permitir fortalecer o conhecido trecho do “Documento do Rio” (c.1570) que diz que os rostos dos santos dos Painéis foram repintados de modo a que representassem a cara do malogrado Príncipe D. Afonso.

Admitindo este pressuposto, pensamos que este acto tardio (cerca de um quarto de século após a conclusão dos Painéis) só faria sentido se o Príncipe tivesse ficado inserido no meio de familiares e não em companhia de figuras estranhas e sem relações com ele.

Vejamos, através desta muito simples árvore genealógica, quem seriam esses familiares (pai, avós, bisavós, primos, tios-avôs...), de acordo com as nossas propostas de identificação (1):






(1) BAETA, 2012, Cap.2, 3, 4, 6, 11 // BAETA, 2016, Cap.12, 13, 17, 18, 19 // 
      BAETA, 2020, Cap.14 // BAETA, 2021, Cap.1 e 7



14 de dezembro de 2023

A TESE VICENTINA POSTA EM CAUSA !

 A TESE VICENTINA POSTA EM CAUSA!

Como referi no meu último estudo, que não será lógico apresentar uma proposta de disposição dos Painéis totalmente integrados com o Retábulo de S. Vicente porque:
» o Documento Pereira Pestana noticia a entrada dos Painéis na capela-mor da Sé em c.1532, isto é, cerca de 60 após a conclusão das “grandes obras” realizadas no Retábulo de S. Vicente (1473, ver texto das Visitações)
» este mesmo Doc. Pereira Pestana coloca os Painéis no lado do Evangelho (à esquerda) dessa capela-mor, junto aos túmulos régios (D. Afonso IV e mulher) aí existentes, em oposição ao local onde o Retábulo de S. Vicente já estava erguido (lado direito ou Epístola)
» o Documento do Rio informa (c.1570), de facto, apenas a colocação dos Painéis centrais (do Infante e do Arcebispo) em baixo junto ao Retábulo de S. Vicente
» contudo, este mesmo Doc. do Rio anuncia, simultaneamente, noutro item, que junto ao retrato de D. Afonso IV existia um retábulo. Este seria, assim, constituído pelos restantes quatro Painéis (Frades, Pescadores, Cavaleiros e Relíquia) que se mantiveram no local onde tinham sido colocados inicialmente em c.1532.
» o autor do Doc. do Rio acrescenta ainda que no momento em que escrevia (c.1570), os Painéis colocados junto ao Retábulo já tinham sido retirados para local desconhecido. Este movimento pode indiciar também a facilidade de deslocação desses dois quadros...
» assim, as apreciações elogiosas que Francisco de Holanda (1548) teceu ao pintor do altar de S. Vicente da Sé de Lisboa, não podem ser extensivas aos Painéis que, como vimos, nunca integraram o Retábulo. Quando muito incluiriam apenas os Painéis centrais quando estes se encontravam junto ao Retábulo...
Esta pequena exposição de documentos e provas, são apenas uma breve síntese que não inclui os outros testemunhos que tenho apresentado e desenvolvido ao longo dos meus livros, e que convergem todos para a mesma conclusão.
A identificação do santo como S. Vicente é assim posta em causa dado que a mesma é essencialmente suportada, pela tese vicentina, através de documentos que dizem de facto respeito apenas ao Retábulo e, como provei, os Painéis nunca integraram o Retábulo de S. Vicente...
Cabe assim à teoria oficial apresentar provas inegáveis da identificação desse santo como S. Vicente.

5 de outubro de 2023

APRECIAÇÃO CRITICA DO PROF. VÍTOR SERRÃO

 

SOBRE OS PAINÉIS: A SURPRESA QUE NOS TRAZ UM NOVO DOCUMENTO

A História da Arte constrói-se a partir de minúsculos interstícios: fragmentos, esboços, entrelinhas de documentos, testemunhos de arquivo. Nasce da nossa capacidade de exercitar as microscopias e enfrentar as desmemórias. No caso da secular Querela dos Painéis de São Vicente, mais que o sensacionalismo das grandes teses, tem sido o saber nascido da pesquisa séria que vai lavrando pistas e sedimentando os saberes.

Desde a ´revisão de um processo arquivado’ feita por Dagoberto Markl (1988) ao chamado Documento do Rio de Janeiro (o qual descreve, no tempo de D. Sebastião, os Painéis de São Vicente como existentes na Sé) que não surgia um documento tão importante para a magna Questão Nuno Gonçalves ! Coube agora a Clemente Baeta, no recente livro Os Painéis fora do Labirinto (2023), o mérito deste achado.

É uma preciosidade: trata-se de uma carta de 3 de Setembro de 1491 escrita a D. João II pelo célebre Cardeal Alpedrinha, D. Jorge da Costa, arcebispo de Lisboa, e cujo teor só se percebe à luz do que nos diz o Doc. do Rio de Janeiro sobre o facto de o rei ter mandado pintar o rosto de seu filho sobre o de São Vicente nas duas tábuas maiores existentes no altar vicentino da Sé.

Escrita a seguir à trágica morte do Infante D. Afonso (1475-1491), filho único de D. João II (e herdeiro do tão desejado trono ibérico), na queda do cavalo a 13 de Julho na Ribeira de Santarém, é uma missiva de condolências da parte de quem, tendo sido exilado em Roma por ordem régia, não nutria especial amizade pelo monarca … E tal antipatia não é ocultada pelo tom dessa carta escrita em Roma em que, a dado momento, o Cardeal-Arcebispo critica o rei por não lhe ter dado ouvidos: «… que não adorásseis vosso filho, que não era oficio de Rei Cristão adorar a outrem senão a Deus…», já que «o pecado da Idolatria nunca o quis dissimular sem alguma espécie de castigo e pena». A seguir, vitupera o monarca enlutado por não ter seguido o seu avisado «conselho» (sic): «…V.A. não amava o seu filho, mas adorava-o, e quanto é ao que fora padecia do amor de Deus, e das cousas Dele parecíeis esquecido… porque parecíeis imitar os Antigos que mandavam fazer imagens de seus filhos, e as mandavam adorar, o que não devia fazer Principe Cristão que amar a Deus mais que os filhos» (BNP, Reservados, Cód. 3776, fls. 17 a 20).

Este contributo de Clemente Baeta (autor que não sigo, porém, na extensão das suas teses) é deveras relevante para a questão dos Painéis, pois coloca mais uma vez na Sé os Painéis de S. Vicente e reforça o que diz o anónimo relator do Doc. do Rio de Janeiro (c. 1570-80) a respeito do repinte ideológico (chamemos-lhe assim) mandado fazer por D. João II nos rostos centrais de S. Vicente (nos painéis ditos do Infante e do Arcebispo) com a efígie do seu filho, e que os exames laboratoriais de 1994 confirmaram sem reservas. Assim, o Príncipe D. Afonso, que pelo casamento com a filha dos Reis Católicos estava fadado para governar o maior império cristão universal, merecia ser adorado na sua dupla dimensão humana e ‘quase divina’ pelos augúrios da Política – um projecto que a tragédia de Santarém veio brutalmente anular, o que, com tanta crueza de palavras, D. Jorge da Costa destaca na sua carta atribuindo-lhe… castigo divino.

Ou seja:

1. em 1491 os Painéis estavam na Sé;

2. o retrato do malogrado príncipe cobria o de S. Vicente nas tábuas ditas do Infante e do Arcebispo;

3. o ‘repinte ideológico’ fora feito antes do casamento de D. Afonso com a princesa D. Isabel de Castela em Estremoz (3 de Novembro de 1490).

4. tal apropriação iconográfico-identitária provocava críticas nos círculos de detractores do rei.

5. os exames laboratoriais dos Painéis confirmaram tal refazimento das duas faces do Santo, dando crédito às fontes documentais.

Assim, a carta de D. Jorge da Costa a D. João II de 1491, sem explicitamente se referir às pinturas de Nuno Gonçalves, torna-se um valiosíssimo documento (mais um !) para reforçar as valências do testemunho do chamado Doc. do Rio de Janeiro.

No momento em que as tábuas quatrocentistas estão a ser alvo de um exame laboratorial no M.N.A.A., é altura própria para se apurar o assunto do repinte dos rostos do Santo. E termino estas notas de leitura do último livro de Clemente Baeta, autor que nos traz (não sendo ele «vicentista») um valioso contributo documental para a questão ! O que não teria Dagoberto Markl (1939-2010) avançado e escrito nesta eterna discussão painelística se tivesse tido conhecimento desta carta !


Comentário adicional

O livro de Clemente Baeta (o nono sobre os Painéis !) é interessante, como os anteriores, e traz sempre releituras de fontes conhecidas e/ou novidades (como é o caso) sobre o magno problema da H. Arte portuguesa. Não estou de acordo com a sua tese fundamental (nesta matéria, sou vicentista, gonçalvista e... dagobertista, e ele é só... gonçalvista) mas como sempre tenho dito, mesmo nas teses mais infundadas sobre os Painéis se descobrem luzes. Mesmo Henrique Loureiro escreveu, numa tese erradíssima, pp. admiráveis sobre o Arcebispo dos Painéis. E Teresa Schedel sobre o Vereador. E Bélard sobre inúmeros detalhes. etc. etc. O tema PAINÉIS DE S. VICENTE precisa cada vez menos de sectarismo e mais de lucidez. Salvo o pintor, salvo a cronologia (e, diria, sobre o Santo, S. Vicente), sabemos tão pouco ainda ! Para já nem falar da identidade das maioria das maioria das 60 personagens...


N.B. Estes textos foram publicados no grupo "Micro-História da Arte" do Facebook (25/09/2023) pelo o Prof. Vítor Serrão dando destaque ao subcapítulo "Uma carta de condolências" do nosso estudo "Os Painéis fora do Labirinto".


4 de outubro de 2023

UM DOCUMENTO FUNDAMENTAL E DECISIVO

Agradeço ao Vítor Serrão a referência que me fez no seu recente "post" relativo aos Painéis.

Contudo, e segundo a nossa opinião, o capítulo mais importante do último livro, Os Painéis fora do Labirinto, é aquele sobre o Documento Pereira Pestana que temos vindo a estudar desde 2014. Esta análise tem acompanhado os sucessivos acrescentos que trouxemos a este testemunho, cuja pequena frase inicial, publicada em 1936 por Motta Alves, cresceu até se constituir em dois períodos interligados entre si.

O relato destas evoluções pode ser consultado no referido capítulo assim como o estudo minucioso que lhe fizemos.

No essencial Pereira Pestana informa (c. 1532) D. João III que na capela-mor da Sé de Lisboa surgiram uma imagens que foram colocadas junto aos túmulos régios ali existentes (D. Afonso IV e mulher). O autor sublinha precisamente esta zona, colocada à esquerda da capela-mor e não o lado direito onde se encontrava há muito (1462) o Retábulo de S. Vicente constituído pelos painéis com cenas da vida, martírios e milagres deste santo, o que indicia uma novidade que o rei desconhecia.

As descrições sintéticas que Pereira Pestana fez dessas imagens permite identificar os Painéis do Infante e do Arcebispo (gentis homens), dos Cavaleiros ( cavaleiros) e dos Frades (de arminhos). Este descritivo já era aceite pela tese vicentina (salvo o dos Frades). No entanto esta tese ainda desconhecia o texto que iria revelar onde esses Painéis tinham sido colocados na capela-mor.

É assim clara a separação física que se registava, em c.1532, entre os Painéis e o Retábulo pelo que se concluiu que aqueles nunca fizeram parte deste conjunto retabular.

Contudo, o Documento do Rio informa que, por volta de 1570, os Painéis do Infante e do Arcebispo estavam em baixo junto ao Retábulo de S. Vicente...,mas, também diz, num outro item, que do lado esquerdo da capela-mor, junto aos tais túmulos régios, existia um retábulo.

Assim, só se pode concluir que no intervalo de tempo compreendido entre c.1532 e c.1570, houve um deslocamento dos Painéis de maior dimensão para junto do Retábulo, tendo os outros quatro ficado no local onde foram colocados.

Que outra leitura e interpretação é que se pode dar ao Documento de Pereira Pestana lido na sua totalidade?

Reconhecemos que se trata de uma conclusão muito polémica, dado por em causa a tese oficiosa sobre os Painéis segundo a qual estes integraram desde sempre o Retábulo de S. Vicente.

Recomendamos por isso uma leitura muito serena e isenta de ideias pré-concebidas.

A conclusão que fizemos a este Documento está assim alinhada com o Estudo Laboratorial de 2013 realizado ao conjunto de pinturas atribuídas a Nuno Gonçalves (Painéis, Martírios e Santos) que refere em síntese:

"Verificou-se que existem diferenças na camada preparatória entre o Políptico de S. Vicente [os Painéis] e a pintura dos dois outros grupos que sugerem que no primeiro terá sido isado um lote de "gesso" diferente".

De referir que este estudo foi dirigido por José Mendes que integra a actual equipa que está a efectuar o Estudo, Conservação e Restauro dos Painéis.

Se Motta Alves tivesse tido, em 1936, a possibilidade de recolher a informação e publicá-la, de acordo com o actual texto do Documento de Pereira Pestana, o que é que teria acontecido à "Questão dos Painéis"...?

N.B. Este texto foi publicado inicialmente no grupo "Micro-História da Arte" do Facebook (26/09/2023) como "resposta" ao destaque que o Prof. Vítor Serrão deu ao subcapítulo "Uma carta de condolências" do nosso estudo "Os Painéis fora do Labirinto".

Publicamos noutra entrada o referido destaque dado pelo citado professor de história de arte.

1 de fevereiro de 2023

UM IMPORTANTÍSSIMO MANUSCRITO PARA OS PAINÉIS

 UM IMPORTANTÍSSIMO MANUSCRITO PARA OS PAINÉIS

     Um pequeno excerto incluído no extenso manuscrito do Parecer de Francisco Pereira Pestana, prova que os Painéis entraram na capela-mor da Sé de Lisboa por volta de 1532 e que aí foram colocados, juntos aos túmulos régios (D. Afonso IV e D. Brites), situados no lado do Evangelho (à esquerda da capela-mor):

     “E porem senhor, entrando na capela-mor da Sé de Lisboa, olhe vossa alteza aquelas sepulturas dos Reis vossos Avós e nelas verá quanto melhor parecem os que não estão vestidos de arminhos, pois todos e tudo ali vai parar, não toco a redenção dos cativos assim de Portugal como de Castela a que muito se deve olhar…”

     O relator, Pereira Pestana, está a convidar o rei D. João III para ir admirar as imagens que surgiram na Sé de Lisboa, destacando e enaltecendo as dos Cavaleiros, isto é, os que não estavam de arminhos. Por outro lado, estes últimos, de branco, eram os Frades que, no entanto, também deviam ser elogiados pelas suas acções na redenção dos cativos.

     A identificação destes dois painéis permite confirmar que o teor do outro trecho mais conhecido deste autor, “…aqueles famosos reis armados, tão fermosos, e gentis homens…” onde se tinha sido deduzida a presença dos painéis do Infante e do Arcebispo, também dizia respeito aos Painéis e que todos estavam colocados (c.1532) do lado do Evangelho da capela-mor da Sé.

     Na banda oposta, isto é, à mão direita da capela-mor ou da Epístola, situavam-se o altar e o Retábulo de S. Vicente erguido e alvo de grandes obras no período 1462-1473…

     Conclusão: os Painéis só surgiram na Sé, meio século após a conclusão do Retábulo de S. Vicente, pelo que podemos afirmar que estas duas pinturas sempre foram independentes e que tiveram origens diferentes.

     in Os Painéis: Prova Final (2022)



6 de janeiro de 2023

Os Painéis: Onde...? Como...?

 

OS PAINÉIS: ONDE…? COMO…?

     É nossa convicção de que os Painéis foram, desde sempre, uma obra autónoma não devendo, por isso, serem confundidos com o Retábulo de S. Vicente. A circunstância de estas obras terem partilhado o mesmo espaço durante cerca de 40 anos (c. 1532-c.1570) na capela-mor da Sé de Lisboa, levou a que ambas se confundissem entre si. No entanto, a documentação inédita que inserimos, na última década, nesta “questão dos Painéis”, associada a uma reinterpretação daquela que anteriormente existia, permite-nos pôr em causa a chamada “tese oficial”.

     Deste modo, colocam-se as questões sobre o local para onde foram elaborados e o modo como ficaram expostos?

     Defendemos que a capela real de S. Miguel, situada junto ao Paço da Alcáçova (Lisboa) onde então residiam os reis portugueses, reunia um conjunto de atributos adequados para a colocação/exposição dos Painéis:

     - Estava equiparada a uma igreja catedral com o privilégio, atribuído pelo Papa, para poder rezar as Horas Canónicas e celebrar solenemente os Ofícios Divinos.

     - Tinha os meios necessários para uma boa execução da música que acompanhava estas cerimónias (músicos, menestréis, coro de jovens…).

     - Foi o local escolhido por D. Afonso V para a recepção aos embaixadores e príncipes estrangeiros.

     - Tinha as dimensões e as proporções adequadas para a colocação dos Painéis.

     - Dispunha de uma janela e de uma orientação solar, que permitem justificar a aparente “incorreção” da iluminação do painel dos Pescadores.

     Para além destes itens e de acordo com nossa tese, de que os Painéis foram executados em memória do infante D. Pedro, podemos ainda acrescentar que:

     - O orago da capela era o arcanjo S. Miguel, santo da devoção deste Regente.

     - Foi nesta capela que este Infante, ainda jovem, foi milagrosamente curado de uma grave enfermidade que o afligia.

     Existe um desenho do tempo de D. Afonso V, que ilustra esquematicamente o interior desta capela, onde se vê a distribuição espacial das diversas entidades que estavam presentes nas ocasiões em que o rei recebia as embaixadas estrangeiras.

     Sobre este desenho colocámos os seis Painéis em três paredes, de modo a garantir, simultaneamente, a perspectiva convergente dos ladrilhos existentes em cada painel e, também, e de modo a justificar a iluminação contrária existente em dois painéis colocados lado a lado (Pescadores vs. Frades).

(in “Os Painéis: Prova Final” cap. 3 e 4)

   


28 de setembro de 2022

PROVA FINAL

 

PROVA FINAL

(in Os Painéis: Prova Final)

Será que podemos entrelaçar e consolidar os dois trechos de Francisco Pereira Pestana com o do “Documento do Rio” de modo a extrair mais uma ilação que demonstre a falência dos argumentos da “tese oficiosa” segundo a qual os Painéis integraram desde o início o Retábulo de S. Vicente?

Os primeiros dois textos afirmam, mais de meio século depois da conclusão do Retábulo (1473), que na Sé apareceram umas imagens que mereciam ser admiradas (c. 1532) e o outro vem confirmar esta presença e, simultaneamente, a sua retirada do local (c. 1570).

Não há dúvida de que estes documentos são bastante claros e facilmente podemos deduzir que dizem respeito aos Painéis. Para além de ambos se validarem mutuamente, pelas referências que fazem às tábuas do Infante, do Arcebispo, dos Cavaleiros e dos Frades, estes testemunhos são, na nossa óptica, uma prova muito forte que permitem, “per se”, abanar a “tese oficial”.

Vejamos como podemos encontrar nos dois extractos do “Parecer” de Pereira Pestana indicações muito claras sobre o local onde estes quatro painéis estavam colocados na capela-mor da Sé de Lisboa.

 No primeiro trecho, Pereira Pestana encaminha o rei para junto dos túmulos de D. Afonso IV e de D. Brites, onde poderia admirar os painéis dos Cavaleiros (os que não estão de arminhos) e dos Frades (os que estão de arminhos e que executavam acções de redenção dos cativos). Percebe-se por esta indicação que estes painéis estavam colocados ao nível dos túmulos do lado do Evangelho, logo, afastados do altar/retábulo de S. Vicente situado do lado da Epístola:

 

“E porém, senhor, entrando na capela-mor da Sé de Lisboa, olhe vossa alteza aquelas sepulturas dos Réis vossos Avós e nelas verá quanto melhor parecem os que não estão de arminhos, pois todos e tudo ali vai parar, não toco a redenção dos cativos, assim de Portugal como de Castela, a que muito se deve olhar.”

 

No segundo texto, o autor depois de pedir desculpa por estar a insistir no assunto, recomenda que D. João III fosse ouvir missa à Sé (na capela-mor) de modo a poder contemplar aquelas imagens. Estas seriam agora os painéis do Arcebispo e dos Cavaleiros (reis armados e gentis homens), do Infante (gentis homens) e ainda dos Frades (tanto desairosos e descontentes estão os de arminhos). Esta insistência também não faria sentido se aquelas imagens não fossem uma novidade naquele local:

 

“E porque vossa alteza mais me não culpe, lhe torno a lembrar e pedir, por mercê, que este dia de São Vicente, que ora vem, vá ouvir missa à Sé, para ver aqueles famosos reis armados, tão fermosos, e gentis homens, os quais todos estão no paraíso, e tanto desairosos e descontentes estão os de arminhos que de ali parecerem mal…”


Como no primeiro extracto se deduziu que os painéis dos Cavaleiros e dos Frades estavam situados na banda do Evangelho, pode-se inferir que os outros dois se localizavam no lado da Epístola, junto ao altar de S. Vicente. O rei, no acto de assistir à missa e posicionado ao centro da capela-mor da Sé, poderia então apreciar as imagens que lhe tinham sido aconselhadas por Pereira Pestana.

 A conjugação destas deduções permite inferir que os Painéis não estariam integrados no Retábulo de S. Vicente, e isso é bem claro no primeiro texto quando situa dois painéis junto dos citados túmulos, enquanto a insistência, patente na segunda citação, permite deduzir que todos os painéis, apercebidos, se encontravam em idêntica situação.

Esta conclusão está assim alinhada com o texto do conhecido Documento do Rio, em especial quando situa os Painéis de maior dimensão no contexto do Retábulo de S. Vicente:

 

“…e em baixo ao pé dela [da sepultura] estavam dois painéis em que estava pintado S. Vicente em figura de moço de 17 anos em cada retábulo e painel, que estavam juntos um do outro, e a figura de S. Vicente estava virada uma para a outra de maneira que mostrava a si cada parte do rosto…”

 

Repare-se na diferença de interpretação que existe entre o que o memorialista escreveu “em baixo ao pé dela estavam dois painéis em que estava pintado S. Vicente” - o que pressupõe uma separação - e o que poderia ter escrito caso os Painéis estivessem integrados no conjunto retabular “em baixo estavam dois painéis em que estava pintado S. Vicente” - cuja leitura não nos levaria a deduzir qualquer afastamento.

Isto é, em baixo ao pé da sepultura (de S. Vicente), estavam colocados, segundo o anónimo relator, os painéis do Infante e do Arcebispo, o que está em consonância com os teores conjugados dos dois extractos de Pereira Pestana, que analisámos atrás.

Temos assim duas fontes diferentes que confirmam a presença dos Painéis na parte inferior do Retábulo de S. Vicente, mas sem se integrarem no mesmo, o que contraria, neste aspecto, a “linha oficial”.

Curiosamente, estes dois documentos são os únicos que fazem referências explícitas aos Painéis e que indiciam que:

§  Não foram executados conjuntamente com o Retábulo de S. Vicente

§  Apareceram em baixo, junto ao Retábulo, vindos de parte incerta (c.1532)

§  Permaneceram ao pé do Retábulo durante cerca de quarenta anos (c.1532-c.1570)

§  Depois, foram retirados para um local desconhecido (c.1570)